Helen Bampi
Farroupilha/RS - Brasil, 16 anos
http://recantodasletras.uol.com.br/contos/1977923
CONTO VENCEDOR DO 1º LUGAR DA CATEGORIA 03 DO VII CONCURSO REGIONAL DE CONTOS, CRÔNICAS E POESIAS OSCAR BERTHOLDO. *
Relato de um soldado
– Eles estão precisando desesperadamente de seis homens! – Gritou o general, furioso. Estávamos em vinte homens, e sabíamos que seis de nós teriam a maior sorte do mundo, se, ao terminados os seis meses, pudessem voltar para casa. – Vamos, idiotas! – Lentamente, os seus capangas começaram a apontar o dedo pesadamente nos ombros dos escolhidos.
Eu fui um deles.
De repente, tudo começou a girar. Meu pensamento já não estava ali e por isso o general gritava comigo para que me encaminhasse logo para o camburão.
Será que sobreviveria? Será que teria a chance de ver novamente os meus filhos, a minha família? Droga, a única coisa que eu queria era poder mudar aquele maldito mundo onde éramos escolhidos como animais para lutar em uma guerra que parecia não ter fim. Será que ainda valia à pena lutar? Por que eu sou um deles? Por que nós fomos escolhidos? Por quê? Por quê? Eram muitas perguntas e absolutamente nenhuma resposta.
Logo fomos colocados em um lugar que cheirava a mofo. Não estávamos mais em seis homens, somente. Se estivesse claro, poderia muito bem contá-los e a soma resultaria em uns cinqüenta, no mínimo. Mas estava escuro. Muito escuro.
– Onde estou? O que está acontecendo? – Ouvi o eco terrível da minha própria voz no escuro. Os passos ao meu lado a cada minuto tornavam-se mais apressados. Uma gota de água suja caía tranquila e pausadamente em um lugar que eu não conseguia distinguir. O som do choro quase inaudível de uma criança fez-me estremecer. – Onde estou? – É claro que eu sabia a resposta. Mas como me atreveria a respondê-la? Como me atreveria a dizer que o mundo era injusto com mais ou menos cinquenta pessoas passando pelo mesmo que eu?
– Você não está em parte alguma, meu amigo. – Ouvi alguém explicar-me. Neste momento, houve um barulho enorme, seguido de uma confusão ensurdecedora. Nos demos conta de que já sabíamos onde estávamos.
– Vamos! Desçam logo que temos trabalho! Achei que já tivessem percebido! – Berrou o capitão Sérgio, fazendo sinal para que nos encaminhássemos para o acampamento improvisado. Através de sua voz, notei o quanto estava aturdido. O quanto, como todos nós, estava desesperado para que aquilo acabasse logo, embora na verdade todos soubessem que era apenas o começo.
Abrigamo-nos em um lugar que mais parecia uma barraca gigante. Completamente sem claridade, dava a impressão de ser um presídio. Tentávamos dividir o espaço, todas as noites, quando podíamos dormir ao menos cinco minutos; quando o inimigo não batia à “nossa porta”. Pela madrugada, acordávamos sempre às quatro horas, para preparar os nossos armamentos, e, às seis horas, saíamos para o campo. Posso afirmar que era uma rotina horrível.
Os três primeiros meses passaram rápido até demais. Mas quando começamos a perder amigos sentimos na pele
O que sempre ouvíamos de uma batalha. Muitos soldados competentes estavam enfraquecendo e achávamos que ninguém mais suportaria. Mas não era apenas para o nosso lado. O inimigo estava perdendo o poder que tinha durante tantos meses. Seus soldados também estavam exaustos, loucos para voltar para casa.
Então, em uma tarde ensolarada, recebemos a notícia de que o general oposto renunciara à guerra. Estava com muito medo de perdê-la e antes que isso acontecesse preferia acabar com tudo, mesmo que fosse chamado de incompetente por sua pátria. Naquele dia completavam exatamente seis meses. Ninguém parecia acreditar. Nem mesmo eu, quando entrei no camburão. Sim, iríamos no camburão, novamente. Mas isso não importava, afinal, estávamos voltando para casa. Estávamos indo para nunca mais voltar.
Já no veículo, fui convidado a comemorar. Respondendo que não, virei para o lado e deixei que as lágrimas escorressem livremente pelo meu rosto.
Nós havíamos vencido.
O carro parou na esquina do meu bairro exatamente às cinco horas da tarde de sábado. Havíamos viajado dois dias inteiros desde então.
Quando coloquei os pés no asfalto, não pude deixar de sorrir. Como é bom estar de volta! Aparentemente, nada havia mudado na rua onde morava. Olhei em volta e, depois de alguns passos, avistei ao longe a minha mulher e os meus dois filhos parados em frente à casa. Júlia sorria, e carregava nos braços o nosso filho mais novo. Rafael estava com oito meses agora. Ao seu lado, acenando, estava Jean, nosso primogênito de cinco anos de idade. Lágrimas rolaram de meus olhos ao vê-lo correr em minha direção. Dos dois meninos, Jean era o que mais se parecia com a mãe, mesmo que ambos fossem ainda muito pequenos para tal comparação. Ele era um garoto calmo, um pouco tímido, mas que adorava brincar com as outras crianças do bairro. Àquela hora da tarde, porém, não o encontrei jogando futebol com os seus amigos. Mesmo sem saber que eu viria naquele dia, Jean ficou à minha espera.
Quando ele se aproximou, abracei-lhe tão fortemente que pude ouvi-lo soluçar. Minha alegria era indescritível naquele momento. De mãos dadas, voltamos juntos para casa, onde estavam Júlia e Rafael. Beijei apaixonadamente a minha esposa, e sorrindo, peguei meu filho mais novo no colo.
– Meu Deus, como você cresceu! O que a sua mãe andou lhe dando? – Era realmente incrível o modo como Rafael havia crescido. Claro que eu já deveria esperar por isso, afinal, ficara longe de casa durante seis meses; mas mesmo assim me surpreendi com o tamanho do bebê, que parecia ter mais de um ano.
– Você não imagina o quanto sentimos a sua falta. – Murmurou Júlia quando já estávamos no quarto, prontos para dormir. – Foi mais difícil do que imaginei. – Seus olhos estavam marejados de lágrimas, embora ela tentasse demonstrar felicidade.
– Ei, eu sei, meu amor. Mas não vamos mais pensar nisso. Agora eu estou aqui, e não vou mais sair de perto de vocês. – Eu a abracei, e lhe prometi que seríamos novamente a família feliz que sempre fomos. Eu sabia que era verdade. E, de certo modo, ela também. Mesmo no escuro, pude ver Júlia sorrindo, e, fechando os olhos, agradeci por estar de volta. Em poucos minutos, adormeci, e, em meus sonhos, havia um mundo onde a guerra nunca existira.
terça-feira, 12 de janeiro de 2010
Milagre de Natal
Helen Bampi
Farroupilha/RS - Brasil, 16 anos
http://recantodasletras.uol.com.br/contos/1977923
Conto vencedor do 3º lugar da categoria 03 do IV Concurso Estudantil de Contos, Crônicas e Poesias do Projeto Caminhos da Leitura.
Milagre de Natal
Isabela e Cláudio há pouco haviam se casado. Quatro anos, precisamente. Mas não fora pouco tempo para construir uma pequena casa em um bairro movimentado da grande Porto Alegre. Isabela sempre sonhou em morar na capital, algo que jamais conseguiria sem a ajuda do marido. Ambos humildes, o último que desejavam era dinheiro. Acumular fortunas nunca fora o seu propósito. Ainda assim, os dois trabalhavam em uma empresa de consórcios no centro da cidade.
Naquela noite quente, Papais-Noéis e estrelas cadentes enfeitavam ainda mais a rua agitada. Eram somente oito horas quando Cláudio e a mulher saíram da Igreja. Isabela tinha os olhos marejados de lágrimas quando cruzaram a rua. O Natal sempre fora uma data emocionante para todos, principalmente naquele ano, que tudo estava perfeitamente decorado. Mas ela não tinha a intenção de chorar na noite de Natal. Afastou os pensamentos que a perturbavam e se pôs a caminhar lentamente ao lado do marido. O casal se deu as mãos, porém nenhum deles disse sequer uma palavra. Ao seu redor, gritos animados de crianças surgiam enquanto o zelador do bairro, vestindo os trajes costumeiros do “bom velhinho”, entregava balas e presentes. O choro de um bebê que, provavelmente por estar assustado com todo o barulho, fez Isabela baixar os olhos. Não, ela não tinha a intenção de chorar. Mas, mesmo contra a sua vontade, uma lágrima teimosa lhe correu pelo rosto. Lembrou-se de tudo por que passara dois anos atrás, quando fora ao médico e descobrira que não podia ter filhos. Definitivamente, você não pode ser mãe. Naquela época, faltavam algumas semanas para o Natal, e a cidade já estava quase completamente enfeitada. Talvez por isso, mais do que tudo, ela sentia medo das festas natalinas. Sabia que era bobagem pensar assim, mas era como se todos os anos fosse reviver o que acontecera.
Ainda quando namoravam, o sonho do casal era formar uma família. E não era a notícia de que Isabela nunca poderia ser mãe que os faria parar de lutar. Meses depois, ela perguntou ao marido se ele realmente desejava ficar com ela agora que sabia que sua mulher era estéril. Suas palavras pareceram afetar completamente Cláudio, e ele apenas respondeu: “Você sabe que eu jamais a deixaria. Principalmente neste momento. Eu a amo e juntos vamos realizar os nossos sonhos.” Então, um mês depois, preencheram o longo e cansativo formulário a fim de adotar uma criança. Ambos sempre foram de acordo com a adoção, e eram devotos à afirmativa de que não é o tipo de sangue que une as pessoas, mas sim o amor; porém não imaginavam que era um processo tão demorado. Um ano se passara e ainda não haviam obtido respostas. Mas agarravam-se à esperança de ainda poder carregar um bebê em seus braços. Agarravam-se desesperadamente à esperança de poder chamá-lo de filho.
Quando entraram em casa, o silêncio os atingiu de tal maneira que os dois se entreolharam. Procuraram esquecer-se dos momentos difíceis, e, enquanto Cláudio colocava a mesa, Isabela terminava de temperar o frango. Haviam decidido que nada atrapalharia o seu jantar, e consequentemente, a sua noite de Natal. Porém, meia hora depois, quando se preparavam para sentar à mesa, alguém tocou a campainha. Cláudio olhou para a mulher e, sorrindo, murmurou:
– Ainda bem que não sentamos. – Isabela também sorriu, e, rapidamente, se dirigiu à porta. Àquela altura, já haviam parado de bater. “Não deve ser tão importante, senão insistiriam”, pensou, enquanto girava lentamente a chave. Quando abriu, o vento quente que surgia da rua a surpreendeu. Percebeu o quanto estava frio dentro de casa e, por um minuto, desejou passar a noite toda ali na rua. Isabela olhou para todos os lados e deduziu que fora um engano, ou apenas alguma criança lhe batendo à porta a fim de desejar-lhe um Feliz Natal. Estava pronta para fechar quando lhe ocorreu de olhar para baixo, e o que viu a deixou sem fala. Era uma cesta muito pequena, cor âmbar, com um lindo coração de metal pendendo da alça.
– Oh, meu Deus! – Isabela deixou escapar um soluço. – Cláudio! Cláudio! – Ele estava na cozinha, folheando um velho jornal quando ouviu os chamados da mulher. Quando se aproximou, também ficou perplexo, e lágrimas se formaram em seus olhos.
Isabela pegou o bebê no colo, enquanto Cláudio o acariciava. A criança vestia um conjuntinho rosa claro, e nem por um segundo se mostrou assustada. Era um neném lindo. Os grandes olhos verdes brilhavam em contraste com os cabelos castanhos. O casal deduziu que tinha apenas três semanas de vida, embora fosse razoavelmente maior para tal idade.
– E agora? – Sussurrou Isabela, emocionada demais para acreditar que tudo aquilo era real. – O que vamos fazer? – Mas nem mesmo ela tinha a resposta certa. Tudo o que mais queriam na vida era ficar com o bebê, pois já sabiam que ele lhes fora especialmente destinado, mesmo que o houvessem conhecido há tão poucos segundos. Porém precisavam fazer por merecê-lo. Então, com um sorriso, Cláudio murmurou:
– Nós vamos lutar. – Isabela sorriu diante das palavras do marido, e beijou a pequena menina que agora estava agitada em seu colo. Era como se ela percebesse as suas intenções e aprovava tentando fazer bagunça com as roupas que a cercavam. Não tinha um vestígio sequer da mãe, ou da pessoa que a cuidara desde o momento em que nascera. E, de certa forma, isso fazia Isabela feliz, porque, se ficassem com a criança, o que minutos depois já era óbvio, não queria nada interferindo em suas vidas.
Meia hora depois, o bebê adormeceu e Isabela o levou para o quarto, onde, junto ao marido, montou um “cercado” de almofadas para protegê-lo. Quando voltaram à cozinha, não puderam deixar de rir ao ver a mesa totalmente decorada para o jantar. Haviam se passado quarenta minutos desde então. Cláudio perguntou se a mulher gostaria de comer algo, mas Isabela disse que estava muito tensa e sem fome. Ele também não queria nada e, portanto, concordaram em guardar a comida para o almoço do dia seguinte.
Era uma hora da manhã quando Cláudio foi deitar-se. Isabela pediu a ele que cuidasse do bebê até que ela voltasse. Não explicou ao marido aonde iria quando saiu apressada de casa. E antes de fechar a porta, pôde ouvi-lo murmurar algo à criança que dormia profundamente ao seu lado. Sorriu entre lágrimas ao constatar que as palavras eram você é o nosso milagre de Natal.
Quando Isabela chegou à Igreja, algumas pessoas que haviam estado na última missa da noite se despediam, desejando um ótimo Natal umas às outras. Passou por todas e foi sentar-se bem à frente, onde o silêncio era quase incômodo. Ajoelhou-se, e, soluçando baixinho, se concentrou nas preces, nos pedidos e agradecimentos. Mas é claro que o principal motivo de estar ali era a pequena menina que iluminara a sua noite. Fitando o altar, Isabela pediu a Deus que a deixasse ficar com a criança. Que ela e o marido conseguissem adotá-la e formar a família feliz que sempre sonharam. Ali, naquela Igreja que tanto amava, Isabela implorou que pudesse realizar o sonho de ser mãe.
Depois do acontecimento da noite de Natal, Cláudio e a mulher sabiam que teriam que lutar muito para conseguir adotar o bebê. Sabiam que haveria muitas pessoas cruéis impedindo a sua felicidade. Porém, era óbvio que, pela alegria do casal no dia em que foram encaminhar os papéis para a adoção, nada destruiria o amor que tinham pela menina e seu desejo de criá-la como sua filha.
E três meses depois, quando foram oficialmente registrá-la, perceberam que nenhum dos dois havia pensado em um nome. Mas, sorrindo, Isabela rapidamente afirmou:
– Ana Luz. Vamos chamá-la de Ana Luz. – Seus olhos estavam marejados de lágrimas enquanto olhava para a filha e lembrava-se da noite em que ela lhes chegara como um milagre. E mais do que nunca, ficou claro que ela era a sua luz. Uma luz forte e brilhante que chegou no momento exato, quando tudo parecia estar perdido. Ana Luz era a prova concreta de que Deus existe, e que os sonhos se realizam quando se tem fé. E daquele momento em diante, o casal percebeu que nunca mais precisaria ter receio do Natal, pois ele lhes dera um presente. O mais belo que poderiam ganhar.
Isabela e Cláudio sorriram entre lágrimas ao perceber que esse presente era a família que tanto desejavam.
Farroupilha/RS - Brasil, 16 anos
http://recantodasletras.uol.com.br/contos/1977923
Conto vencedor do 3º lugar da categoria 03 do IV Concurso Estudantil de Contos, Crônicas e Poesias do Projeto Caminhos da Leitura.
Milagre de Natal
Isabela e Cláudio há pouco haviam se casado. Quatro anos, precisamente. Mas não fora pouco tempo para construir uma pequena casa em um bairro movimentado da grande Porto Alegre. Isabela sempre sonhou em morar na capital, algo que jamais conseguiria sem a ajuda do marido. Ambos humildes, o último que desejavam era dinheiro. Acumular fortunas nunca fora o seu propósito. Ainda assim, os dois trabalhavam em uma empresa de consórcios no centro da cidade.
Naquela noite quente, Papais-Noéis e estrelas cadentes enfeitavam ainda mais a rua agitada. Eram somente oito horas quando Cláudio e a mulher saíram da Igreja. Isabela tinha os olhos marejados de lágrimas quando cruzaram a rua. O Natal sempre fora uma data emocionante para todos, principalmente naquele ano, que tudo estava perfeitamente decorado. Mas ela não tinha a intenção de chorar na noite de Natal. Afastou os pensamentos que a perturbavam e se pôs a caminhar lentamente ao lado do marido. O casal se deu as mãos, porém nenhum deles disse sequer uma palavra. Ao seu redor, gritos animados de crianças surgiam enquanto o zelador do bairro, vestindo os trajes costumeiros do “bom velhinho”, entregava balas e presentes. O choro de um bebê que, provavelmente por estar assustado com todo o barulho, fez Isabela baixar os olhos. Não, ela não tinha a intenção de chorar. Mas, mesmo contra a sua vontade, uma lágrima teimosa lhe correu pelo rosto. Lembrou-se de tudo por que passara dois anos atrás, quando fora ao médico e descobrira que não podia ter filhos. Definitivamente, você não pode ser mãe. Naquela época, faltavam algumas semanas para o Natal, e a cidade já estava quase completamente enfeitada. Talvez por isso, mais do que tudo, ela sentia medo das festas natalinas. Sabia que era bobagem pensar assim, mas era como se todos os anos fosse reviver o que acontecera.
Ainda quando namoravam, o sonho do casal era formar uma família. E não era a notícia de que Isabela nunca poderia ser mãe que os faria parar de lutar. Meses depois, ela perguntou ao marido se ele realmente desejava ficar com ela agora que sabia que sua mulher era estéril. Suas palavras pareceram afetar completamente Cláudio, e ele apenas respondeu: “Você sabe que eu jamais a deixaria. Principalmente neste momento. Eu a amo e juntos vamos realizar os nossos sonhos.” Então, um mês depois, preencheram o longo e cansativo formulário a fim de adotar uma criança. Ambos sempre foram de acordo com a adoção, e eram devotos à afirmativa de que não é o tipo de sangue que une as pessoas, mas sim o amor; porém não imaginavam que era um processo tão demorado. Um ano se passara e ainda não haviam obtido respostas. Mas agarravam-se à esperança de ainda poder carregar um bebê em seus braços. Agarravam-se desesperadamente à esperança de poder chamá-lo de filho.
Quando entraram em casa, o silêncio os atingiu de tal maneira que os dois se entreolharam. Procuraram esquecer-se dos momentos difíceis, e, enquanto Cláudio colocava a mesa, Isabela terminava de temperar o frango. Haviam decidido que nada atrapalharia o seu jantar, e consequentemente, a sua noite de Natal. Porém, meia hora depois, quando se preparavam para sentar à mesa, alguém tocou a campainha. Cláudio olhou para a mulher e, sorrindo, murmurou:
– Ainda bem que não sentamos. – Isabela também sorriu, e, rapidamente, se dirigiu à porta. Àquela altura, já haviam parado de bater. “Não deve ser tão importante, senão insistiriam”, pensou, enquanto girava lentamente a chave. Quando abriu, o vento quente que surgia da rua a surpreendeu. Percebeu o quanto estava frio dentro de casa e, por um minuto, desejou passar a noite toda ali na rua. Isabela olhou para todos os lados e deduziu que fora um engano, ou apenas alguma criança lhe batendo à porta a fim de desejar-lhe um Feliz Natal. Estava pronta para fechar quando lhe ocorreu de olhar para baixo, e o que viu a deixou sem fala. Era uma cesta muito pequena, cor âmbar, com um lindo coração de metal pendendo da alça.
– Oh, meu Deus! – Isabela deixou escapar um soluço. – Cláudio! Cláudio! – Ele estava na cozinha, folheando um velho jornal quando ouviu os chamados da mulher. Quando se aproximou, também ficou perplexo, e lágrimas se formaram em seus olhos.
Isabela pegou o bebê no colo, enquanto Cláudio o acariciava. A criança vestia um conjuntinho rosa claro, e nem por um segundo se mostrou assustada. Era um neném lindo. Os grandes olhos verdes brilhavam em contraste com os cabelos castanhos. O casal deduziu que tinha apenas três semanas de vida, embora fosse razoavelmente maior para tal idade.
– E agora? – Sussurrou Isabela, emocionada demais para acreditar que tudo aquilo era real. – O que vamos fazer? – Mas nem mesmo ela tinha a resposta certa. Tudo o que mais queriam na vida era ficar com o bebê, pois já sabiam que ele lhes fora especialmente destinado, mesmo que o houvessem conhecido há tão poucos segundos. Porém precisavam fazer por merecê-lo. Então, com um sorriso, Cláudio murmurou:
– Nós vamos lutar. – Isabela sorriu diante das palavras do marido, e beijou a pequena menina que agora estava agitada em seu colo. Era como se ela percebesse as suas intenções e aprovava tentando fazer bagunça com as roupas que a cercavam. Não tinha um vestígio sequer da mãe, ou da pessoa que a cuidara desde o momento em que nascera. E, de certa forma, isso fazia Isabela feliz, porque, se ficassem com a criança, o que minutos depois já era óbvio, não queria nada interferindo em suas vidas.
Meia hora depois, o bebê adormeceu e Isabela o levou para o quarto, onde, junto ao marido, montou um “cercado” de almofadas para protegê-lo. Quando voltaram à cozinha, não puderam deixar de rir ao ver a mesa totalmente decorada para o jantar. Haviam se passado quarenta minutos desde então. Cláudio perguntou se a mulher gostaria de comer algo, mas Isabela disse que estava muito tensa e sem fome. Ele também não queria nada e, portanto, concordaram em guardar a comida para o almoço do dia seguinte.
Era uma hora da manhã quando Cláudio foi deitar-se. Isabela pediu a ele que cuidasse do bebê até que ela voltasse. Não explicou ao marido aonde iria quando saiu apressada de casa. E antes de fechar a porta, pôde ouvi-lo murmurar algo à criança que dormia profundamente ao seu lado. Sorriu entre lágrimas ao constatar que as palavras eram você é o nosso milagre de Natal.
Quando Isabela chegou à Igreja, algumas pessoas que haviam estado na última missa da noite se despediam, desejando um ótimo Natal umas às outras. Passou por todas e foi sentar-se bem à frente, onde o silêncio era quase incômodo. Ajoelhou-se, e, soluçando baixinho, se concentrou nas preces, nos pedidos e agradecimentos. Mas é claro que o principal motivo de estar ali era a pequena menina que iluminara a sua noite. Fitando o altar, Isabela pediu a Deus que a deixasse ficar com a criança. Que ela e o marido conseguissem adotá-la e formar a família feliz que sempre sonharam. Ali, naquela Igreja que tanto amava, Isabela implorou que pudesse realizar o sonho de ser mãe.
Depois do acontecimento da noite de Natal, Cláudio e a mulher sabiam que teriam que lutar muito para conseguir adotar o bebê. Sabiam que haveria muitas pessoas cruéis impedindo a sua felicidade. Porém, era óbvio que, pela alegria do casal no dia em que foram encaminhar os papéis para a adoção, nada destruiria o amor que tinham pela menina e seu desejo de criá-la como sua filha.
E três meses depois, quando foram oficialmente registrá-la, perceberam que nenhum dos dois havia pensado em um nome. Mas, sorrindo, Isabela rapidamente afirmou:
– Ana Luz. Vamos chamá-la de Ana Luz. – Seus olhos estavam marejados de lágrimas enquanto olhava para a filha e lembrava-se da noite em que ela lhes chegara como um milagre. E mais do que nunca, ficou claro que ela era a sua luz. Uma luz forte e brilhante que chegou no momento exato, quando tudo parecia estar perdido. Ana Luz era a prova concreta de que Deus existe, e que os sonhos se realizam quando se tem fé. E daquele momento em diante, o casal percebeu que nunca mais precisaria ter receio do Natal, pois ele lhes dera um presente. O mais belo que poderiam ganhar.
Isabela e Cláudio sorriram entre lágrimas ao perceber que esse presente era a família que tanto desejavam.
Mãe...
Helen Bampi
Farroupilha/RS - Brasil, 16 anos
* POEMA VENCEDOR DO 1º LUGAR DA GATEGORIA 03 DO VII CONCURSO REGIONAL DE CONTOS, CRÔNICAS E POESIAS OSCAR BERTHOLDO. *
Mãe
Ah! Se um poema ou uma poesia
Pudessem definir o que sinto por você...
Mas nem as mais doces palavras
Nem a perfeita rima das poesias
Podem explicar esse admirável amor...
Mãe... seria tão bom se este poema
Conseguisse transmitir a mensagem
Que o meu coração anseia em lhe dizer,
Principalmente neste dia, que eu sei, é só seu...
Oh, mãe, se eu pudesse de alguma forma,
Retribuir-lhe tudo o que você faz por mim...
Mas eu sei... eu sei muito bem,
Que o seu amor nada exige;
É tão puro, tão sincero...
Mais que isso, é eterno
Mãe... quem me dera voltar a ser criança,
Aquela garotinha que brincava com bonecas,
E que junto a você fazia doces nos aniversários...
Aquela menina, que, quando pequena,
Ouvia você contar historinhas de fadas e princesas
Todas as noites, e não importava os contratempos...
Sempre havia um momento para um conto,
Sentadas na cama, com o livro sobre o cobertor,
Até que eu finalmente adormecia...
Quando já estudava, você me ajudava com as lições,
Pintávamos desenhos de Páscoa e Natal,
Montávamos frases e somávamos números...
E, nas férias, lanchávamos juntas todas as tardes,
Assistíamos a filmes comendo pipoca...
Ah, mãe! São tantos os fatos que eu gostaria de relatar aqui...
Tantas recordações...
Tantas letras que eu desejaria acrescentar a estas frases...
E, assim, tentando uma homenagem escrever,
Ensaiei algumas palavras... as mais belas que encontrei...
Quero que você saiba, mãe, que são pequenas,
Se comparadas ao meu amor por você;
Mas elas são tão verdadeiras,
Que tenho enorme orgulho em lhe dizer:
Mãe, eu a amo demais!
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